Uma prosa poética sobre a imagem do Brasil pelo artista plástico Tiago Botelho
Todo dia, quando volto para casa, me deparo com uma bandeira do Brasil pregada na janela de um prédio. É daquelas bandeiras desbotadas, cujo globo ficou lilás e o verde está mais para um abacate do que para uma floresta. Bem metafórico da nossa realidade.
Hoje, mirei a bandeira e senti saudades dos tempos em que o Brasil se afigurava como o paÃs do futuro, e podÃamos ostentar nossas cores sem sermos confundidos com facções polÃticas de viés reacionário.
Mais que isso, senti saudade do meu próprio amor pelo Brasil, tão castigado pelos tantos acontecimentos trágicos desses anos pandêmicos e bolsonaristas. Procuro sempre me imbuir de esperança e boa fé, mas é difÃcil lutar contra esse sentimento de uma perda irreparável - e me refiro sobretudo ao campo das ideias, no contexto da criatividade artÃstica e do exercÃcio cotidiano da cidadania.
Fazer arte em um paÃs que retrocedeu a ponto de precisarmos gritar em defesa do óbvio todo santo dia é uma tarefa árdua. Já não há mais predisposição ao encanto, e o pouco que resta acaba se tornando um privilégio quase vergonhoso diante de situações infinitamente mais graves, de pessoas violentadas naquilo que deveria ser um direito de todos, independente da classe, do gênero ou da etnia.
Nosso paÃs se tornou um circo de horrores. A barbárie encontrou legitimidade no âmago das instituições. PolÃcias e Ministérios articulam-se a favor da bandidagem. É juÃza menosprezando estupro de criança, é PF acobertando assassinato de indigenista, é presidente fazendo motociata fascista enquanto o povo briga por ossos na passagem do caminhão de lixo. Que pesadelo!
São tantos fatores atacando nossa capacidade de sonhar destinos triunfantes, que se manter positivo é uma questão de sanidade mental, mesmo através da nostalgia do que um dia já fomos.