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Cartas à Brasília: uma gringazinha na Capital

Seguindo a série especial de 12 cartas escritas para Brasília, uma estrangeira conta sua relação com a cidade e revela locais preferidos, medos e surpresas na sua relação com a Capital


No Museu da República: a silhueta feminina encontra os traços sinuosos do monumento de Niemeyer


Somos as nossas histórias. Somos o meio e a vida de todas as histórias. Elas mudam e são contadas a todo momento. Somos narradores invisíveis da maior história que conhecemos: a nossa. Somos também as nossas escolhas. Uns decidem ficar para sempre no mesmo lugar, outros estão dispostos a correr o risco de morar fora e começar de zero em cidades tão particulares como você, Brasília. E eu estou aqui, recém-chegada, em pé entre teus ossos, tremendo de medo, com vozes que sobem pela minha língua, com meu portunhol intricado e tentando entender o meu propósito aqui contigo.


Cheguei há pouco e já percebi que você causa sentimentos intensos, platônicos e muitas vezes opostos nas pessoas: ou te amam ou te odeiam. Não existe termo meio. Mas eu acho que serei do grupo dos que te amam. Fiquei surpreendida com as tuas terras vermelhas, teu céu vibrante de cores infinitas e ipês coloridos que embelezam você. Aqui tudo está no seu lugar: rua das farmácias, rua dos bares, rua dos restaurantes. Pirei com o teu conceito arquitetônico e já me falaram o quanto é importante a história da tua construção.


Você é organizada, limpa e segura. Isso me dá muita tranquilidade. Porém, devo te confessar que me assusta a monotonia e o individualismo das pessoas. Pode ser que a razão do meu temor seja porque estou acostumada ao povo caloroso e receptivo do meu Caribe natal. Lá, eu posso ser surpreendida efusivamente por uma estranha me oferecendo carona em seu guarda-chuva, no meio duma chuva torrencial, ou de repente receber um elogio sincero de um estranho sobre o meu batom, minha blusa, meu vestido, minha sandália ou até mesmo a cor do meu esmalte. Mas tudo bem, dentro de mim há uma boa disposição para me adaptar aos novos desafios, até porque tenho certeza que não sou a única.


A geometria brasiliense desumaniza a relação com a cidade ou cria contrastes que instigam?


Hoje, por exemplo, observei esse povo tão diferente caminhando pelas tuas ruas, de todos os tipos, de todos os credos, de todas as cores, me perguntando quais são as suas histórias. Isso é um bom sintoma. Você acolhe gente diversa e isso me faz sentir menos estranha, com muita esperança e definitivamente com muita vontade de perseguir meus sonhos.


Mas, peraí...me conta...que tipo de clima é esse, hein? Meu nariz sangra, minha pele está ressecada, e a minha garganta dói...por favor, me diz que não é sempre assim o ano todo! Eu sinto saudades do cheiro da chuva caindo na terra, fazendo lembrar da minha infância. Mas pode ficar tranquila. Eu serei paciente e respeitarei os seus tempos porque só você sabe quando é o momento certo para a mudança do clima.



Quase uma candanga raíz: na piscina velha do Parque Nacional de Brasília, a Água Mineral


Enquanto a seca não acaba, vou aproveitar as tuas riquezas e visitarei o Jardim Botânico e o Parque da Cidade. Também darei um mergulho nessa aguinha maravilhosa da piscina velha da Água Mineral e caminharei numa das trilhas desse lugar bonito e agradável que é o Parque Nacional de Brasília. Estar em contato com a natureza e próxima dos animais é algo que traz muita paz, e é aí que você vai ganhando pontos comigo. Ainda me falta ir passar uma tarde à beira do Lago Paranoá, andar de bicicleta no Eixão do Lazer, tirar fotos na Praça dos Poderes e disfrutar a vista da Torre de TV. Tá vendo como eu estou informada sobre teus espaços? Pois é, assim, aos poucos irei te conhecendo melhor.


Brasília, você e eu somos diferentes. Isso é fato. Porém, eu tenho certeza que aqui conseguirei realizar vários sonhos da minha vida, sonhos que tal vez meu Eu menininha jamais acreditou que fosse realizar. Sei que também me darás diversas rasteiras. Creio que me farás chorar incontáveis vezes e como qualquer outra história de amor, teremos os nossos altos e baixos e, com certeza, momentos que não nos entenderemos. Mas acima de tudo, sei que me converterei num ser humano melhor. Crescerei e viverei aqui tão intensamente que só a possibilidade de te deixar fará meu coração ficar apertado. Certamente, a minha história nunca será a mesma depois de você, Brasília. Cheguei ao porto seguro, “véi”!


Sindy González é colombiana, canceriana e Internacionalista. Mestre em Assuntos Internacionais. Apaixonada pela cultura latino-americana e do Caribe. Amante da música, cinema e fotografia.

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