Letras do Natiruts traduziram estilo de vida brasiliense falando de vida lacustre e conexão com a natureza

Natiruts nos tempos de reggae raiz
(Por Jamila Gontijo)
Depois que Legião Urbana, Capital Inicial e Raimundos se firmaram como ícones do rock nacional e levaram a cena musical de Brasília para o mundo, o que mais poderíamos esperar de quem faz música na Capital Federal? Viramos a capital do rock a partir dos anos de 1980 e tínhamos orgulho disso.
Nas décadas seguintes, outras bandas de rock engrossaram o caldo musical de Brasília e também fizeram bonito, desde Little Quail and the Mad Birds, Rumbora, Oz, Os Cabelo Duro e tantas outras que atualmente eu nem consigo listar. Sem falar no hip-hop do DF, que viu nascer estrelas como Câmbio Negro, e a cena de música eletrônica, que é um capítulo a parte e tem sua história própria.
E então, quando o século virou de XX para XXI e o apocalipse anunciado nas terras da Chapada dos Veadeiros não se concretizou, uma nova onda musical marcou a cena de Brasília: o reggae cerratense, personificado pelo grupo Natiruts, antes Nativus e sempre brasiliense de corpo e alma. O ano era 2003 e eu era assessora de imprensa do Encontro de Culturas Tradicionais da Chapada dos Veadeiros. Pelas ruas de São Jorge uma trilha sonora reinava e os turistas com bermuda de tactel, chinelo e regata cantavam em coro: “eu sou surfista do Lago Paranoá!”.
Eu ainda guardo o CD que me apresentou ao Natiruts como uma relíquia dos tempos em que o reggae de Brasília traduzia os sonhos da juventude e indicava que a nova geração brasiliense tinha uma forte conexão com a natureza, com os esportes, a vida lacustre e a espiritualidade. As aulas lotadas do Centro Olímpico da Universidade de Brasília, onde o Natiruts também era a trilha dominante, só confirmavam a vocação da juventude da cidade: praticar esportes como o polo aquático e capoeira.
Naquele tempo em que a gente lamentava que “o Hawaii não é aqui, que o mar está longe daqui..”, a turma seguia a rima do Natiruts “mas pra quê que eu quero o mar, se eu tenho o lago pra mim?” e se reunia para pedalar e se aproximar do Lago Paranoá para nadar, praticar caiaque, remo e posteriormente esportes mais radicais que hoje dominam as águas “paranoaenses”, repletas de praticantes profissionais e amadores.
Natiruts traduziu tudo isso nas letras de suas músicas com uma naturalidade que só a genialidade musical traz. Mas as letras não eram só para promover a bandeira do Movimento dos Sem Praia (que já fez encontro na orla do Lago Paranoá, nos anos 2000). Os versos musicados do Natiruts também falam das desigualdades sociais tão gritantes em Brasília e no Brasil ( “pra ver se esqueço da pobreza e violência, que deixa o meu povo infeliz, na icônica música Presente de um Beija-Flor). E claro, as canções de amor com uma perspectiva espiritualizada embalaram muitos encontros e desencontros entre brasilienses e brasileiros, gente de todas as tribos e nacionalidades, com mensagens de amor tão singelas como “Eu 'tô cansado de sofrer, quero dançar sentir calor e poder só olhar o universo em torno de você. Brilhando em vida, sorrindo à toa, só vibrando amor e paz. Sinto a noite, penso em você, lembro como é bom amar”, da música Sorri, Sou Rei”.
A banda Natiruts encerra a carreira nos palcos, depois de mais de duas décadas, e deixa um legado musical que traduziu um estilo de vida de Brasília, cidade que encontrou no Lago Paranoá, na vida lacustre, nas práticas esportivas e no contato com a natureza um dos pontos fortes de sua identidade cultural diversa e única.
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