Crônicas da cidade: um recanto em Brasília para a fauna cerratense
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Crônicas da cidade: um recanto em Brasília para a fauna cerratense

Moradora de um condomínio repleto de natureza revela como os residentes convivem com a fauna e a flora cerratenses. "Não dá para se habituar, a natureza surpreende todo dia" - comove-se a autora, que ainda dá uma dica de ciclovia para quem quiser passear por lá. Só cuidado com a onça que mora na região.

Meu cantinho em Brasília é exatamente onde moro.

Posso dizer que sou uma pessoa de sorte...


Todos os moradores que aqui vivem, também. Vale contar que minha casa é em um pequeno condomínio situado praticamente dentro do Parque Nacional de Brasília.


Quando cheguei aqui no ano de 1998, não imaginava que futuramente estaria morando na mata, mas dentro da cidade. Em um espaço propício a apreciação de bichos naturais do cerrado. Um lugar quase místico, com inúmeras possibilidades de contato com a natureza.


Quem não gosta de animais, melhor nem morar ou visitar alguém por aqui, onde existe uma onça parda que às vezes perambula pelas ruas, com seus dois filhotes. Num cenário cercado de pequenos córregos e nascentes, moradores dividem o espaço com os bichos cerratenses: capivaras, antas, lobos-guará, tatus, calangos, porcos-espinhos, cutias, tamanduás, araras, papagaios brasileiros, periquitos, tucanos, maritacas, diversos passarinhos, muitos sapos e... cobras.


Sim, o fato é que moramos junto com os demais animais do Parque Nacional de Brasília. Na entrada do Condomínio há uma queda d´agua natural, uma cachoeirinha, com uma ponte onde por baixo corre um riacho. Assim que passa a portaria tem outra queda d´água com um belo poço. E é bem ali, em frente a guarita, que a onça transita, indo de um córrego a outro. Ainda nessa descida, antes da ponte, dá para sentir o cheiro úmido da natureza. Mesmo na seca braba de Brasília, os olhos d´água insistem em refrescar o ar. Borboletas voam. A ladeira que antecede a guarita é quase fechada pela vegetação, a chegada ao Condomínio nos convida a baixar o ritmo acelerado da cidade e apreciar a natureza.


As Capivaras reinam por aqui. “Olha, a família de capivarinhas atravessando a rua, que lindeza”. Freia o carro e espera, é o jeito. São várias de todo tamanho, uma atrás da outra. A pequena gordinha demora a subir no meio fio. Tenham paciência, motoristas.


No outro dia “eita, olha a um tamanduá, faz foto!!”, e por aí vai, “rápido, filma a anta”. As surpresas não cessam: “gente, pára o carro, olha isso, um Lobo Guará! Que lindo, que pêlo avermelhado. Parece a cor da terra típica de Brasília, cor de barro. Como ele é alto!”. Às vezes, alguém ganha o troféu do dia, “freia, freia, olha a onça! Pega o celular rápido! Ih, já era! Pulou para o mato”. É bem assim. Até as televisões andaram por aqui atrás da família de felinos.


E veio a guarda ambiental procurar, veio veterinário, equipe de tudo que é jeito, mas ninguém achou a onça, só tiveram o gostinho de apreciar pelas câmeras de segurança. “Cuidado! Ela quando está com filhote ataca. Ela com fome, ataca”, uns dizem. O outro diz “ataca não, ela tem medo de humanos”. Uns alertam, “evite apenas deixar crianças sozinhas perto das cercas que dão para reserva”. Tem morador que tem medo, outros, orgulho. “Mas não tem muito o que ser feito, aqui é o perímetro da onça”, explicou um biólogo.


De dia ao acordar, humanos escutam a gritaria dos papagaios brasileiros nas árvores em frente a suas casas. E eles não estão em gaiolas e nem falam português. Estão livres, mas a voz é familiar, os famosos louros fazem uma gritaria quando chegam. São festeiros, barulhentos, conversam na língua nativa de papagaio, é lindo. Final do dia são as araras, que também são escandalosas, fazem algazarra, gritam num som que enriquece a alma.


Os moradores já reconhecem ao longe. Saem de dentro de casa, vão para a rua ou para os seus jardins olhando para cima, “corre, vem ver”, elas passam em rasante, dois, três casais juntos, colorindo o céu anil. Tucanos comem coquinhos nas palmeiras. Quem se acostuma com a beleza estonteante do Cerrado?


Não dá para se habituar, a natureza surpreende todo dia. Principalmente quando você acorda com uma sinfonia de passarinhos cantando pela manhã e dorme com corujas e aves de rapina por todos os lados nas ruas, que preenchem a noite ecoando aquele belo som de aves noturnas. Na chuva, sapos ficam embaixo dos postes comendo mosquitos. Nós é que estamos no lugar deles, não podemos reclamar. “Fomos nós que viemos morar no habitat desses bichos” -os mais conscientes ressaltam.


Enfim, aqui é meu canto cativo de Brasília. E olha, se você quer uma dica de uma quebrada perto, um lugar gostoso para caminhar e aproveitar a magia do Cerrado, que não seja a trilha da Capivara da Água Mineral, você pode vir até o Condomínio Mansões Colorado.


Na entrada, ainda antes da guarita, você verá o início de uma ciclovia, que foi construída com seis quilômetros de extensão. Ela é paralela a pista, mas você estará cercado pela beleza deslumbrante da vegetação do Cerrado, que por ser baixa proporciona que se veja o horizonte e que um estonteante céu inteiramente azul o acompanhe nesse passeio.

Com sorte, araras poderão decorar o cenário com lindos voos, abrilhantando seu final de tarde. Não lhe desejo encontrar a onça, isso não. Então, que tal vir pedalar por essas bandas de tardezinha, aproveitar o pôr do sol, marca registrada de Brasília e sentir um pouco do gostinho que nós temos de morar aqui? Fica a dica.



Joana Praia

Produtora, jornalista, cerratense apaixonada por Brasília e mãe da Helena e do Heitor.



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